terça-feira, 23 de julho de 2013

Eu, Nós Mulher (es) Negra(as)








Incluindo-Nos Na História!

[1] Rosangela Nascimento

Bem, já faz um tempo que venho lendo e pesquisando queria escrever um texto para o dia Internacional das Mulheres Negras Latino – Americanas e Caribenhas, mas relatarei algo cotidiano, comum, pode ser que para alguns, algumas seja um texto pobre e sem menor valor e não desperte interesse dos leitores, ou curiosos tratando-se das redes sociais. Sempre há preocupações com a memória e os registros, então, vamos lá!
" Mulheres e Homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender  para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espirito"  Paulo Freire 

MORADIA!

Nascente em família simples, hoje nomeada de classe “C” a mãe teve quatro filhos sendo três mulheres e um homem e podem acreditar, tem cena que criança nunca esquece, morava em uma casa própria construída em área de posse, toda de alvenaria e quando chovia era aquele sufoco, tudo alagava! Certo dia estava às quatro crianças e sua genitora, chovia ininterruptamente, a água invadia toda casa, ela os colocou em cima da mesa, procurava os lugares mais altos para água surja não bater em suas peles, os pequenos riam queriam boiar em um tonel plástico, o pai estava ausente era motorista e às vezes passava dias fora. Saíram desta casa e foram morar em uma alugada. Viveram cerca de uns três anos, o genitor ficou desempregado e tudo foi complicando! Então, mudaram-se para residência da avó paterna que dividia o espaço com dois filhos, um tinha problemas mentais e outro era separado da mulher e entregou-se ao álcool. Como nem tudo é dito para as crianças, no meio da noite houve uma discussão, a mãe arrumava as trouxas e a cada um ela entregou uma, passa na mente a cena de “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto, saíram no meio da noite chorando e perguntavam para onde ir? Foram para casa de uma tia que morava próximo e que também tinha três filhas e um filho, lá se vai mais um espaço cedido, custou para esta família se reorganizar, o pai conseguiu trabalho e como não ficava com a família, arrumou uma nova companheira! Ele comprou um terreno que aos poucos foi construindo, como a matriarca já estava cansada e queria ter seu espaço! Mudaram-se quando a casa tinha apenas uma meia água como falava-se na época, ela sempre trabalhou inicialmente como doméstica, depois como merendeira e os filhos cuidavam uns dos outros, sempre aprontando, se divertiam! A irmã mais velha e a encostada começaram a trabalhar muito cedo, pois sentiam o compromisso de ajudar com as despesas, pois um salário mínimo para custear quatro crianças mais contas é sempre complicado. O tempo foi passando e as/o filhas/o foram crescendo tomando consciência e percepção do seu entorno. Será que toda família branca vive este contexto relacionado à moradia? Pobreza tem nome e cor!
Segundo o censo de 2010: apenas 52,2% dos lares são considerados adequados e os brancos moram em domicílios melhores... E as mulheres são 37 % chefes de família, se estes dados fossem na década de oitenta, os números seriam com certeza maior, pois as mulheres mesmo separadas de seus maridos não verbalizavam publicamente.

SAÚDE

Em meio a tudo isto, uma doença, perca dos movimentos do lado esquerdo totalmente dependente, não tinha força nos braços e andava com dificuldade, uma tia entrava em contato com algumas pessoas e ia atrás dos médicos, diagnóstico “febre reumática e Coréia” muito comum na população negra, mas em meados dos anos oitenta não era tão divulgada como hoje, o tratamento recomendado Benzetacil injetável e alguns remédios controlados até os vinte e um anos, como os movimentos e a fala ficaram comprometida não frequentava a escola e este retorno foi traumático.

EDUCAÇÃO

Sentia-se um ovo caído do ninho, repetição da quinta série, relata a primeira violência racial que sofreu, enquanto escrevia no quadro, gostava de copiar para a professora e um garoto branco falou: tais fazendo o que ai? NEGRO SÓ TEM VALOR NA ÁFRICA, chorou um bocado e uma colega de classe expressou! Você tem todo o direito de ficar ofendida, eu recebi um convite de um grupo para discutir sobre racismo, você quer ir? Marcou com ela e lá foram, e acreditem, nunca pensou que aprendera tanta coisa, que iria desconstruir tantos conceitos apreendidos, e assim ela renasceu aos treze anos.
Situações como estas, e outras ocorridas no ambiente escolar, resultaram na criação da Lei 10.639/03, fruto de cobranças do Movimento Negro. 

IDENTIDADE


O grupo tinha o nome de Núcleo Malcolm X, foi uma estratégia que o MNU (Movimento Negro Unificado-PE) encontrou para atrair a comunidade, era composto por jovens cheios de sonhos e ideias, dançavam ritmos afros Pernambucanos, participavam das rodas de diálogo tudo era um pretexto pedagógico, assistiam vídeos e conversavam sobre, e ainda tinha os passeios e apresentações. O que mais a encantou e ganhou neste espaço, é que encontrou o que lhe faltava “A construção, o fortalecimento da identidade e autoestima”.  Desabafando, quando encontra as pessoas e diz o quanto foram importantes e fizeram a diferença em sua vida, a olham de uma forma estranha, não tiveram noção do impacto, pois perdeu muitos amigos que se envolveram com drogas, uns foram mortos, outros presos. Jovens negros de idade entre dezesseis e vinte anos, fortalecendo as estatísticas e demarcando a cor do homicídio!

Escutar a história de alguém é se render a um enorme respeito, vivência de todos os tipos de violências, nesta vida acreditem, que não há um ser neste mundo que não tenha sofrido uma tipificação de violência.
Borba e Goulart ( 2006,p.51) afirmam que,
O prazer e o domínio do olhar, da escuta e do movimento sensíveis construídos no encontro com a arte potencializam as possibilidades de apropriação e de produção de diferentes linguagens pelos sujeitos como formas de expressão e representação da vida: por meio da poesia, do conto, da caricatura, do desenho, da dança, da música, da pintura, a escultura, da fotografia, etc.

A menina cresceu, morou sozinha não se adaptou a solidão, casou teve uma filha linda e conseguiu se formar na área de humanas, o tema de sua pesquisa “A Presença da Mulher Negra na Literatura: Quarto de Despejo”. A obra conhecida como o Diário de uma Favela, quanto em comum. Ao ler a obra remetia a sua família, as violências sofridas ao contexto imposto socialmente, ao assédio moral vivenciado no ambiente trabalho, que aos poucos tiravam a autonomia, respeito e autoconfiança, contribuindo com doenças psíquicas. Um ambiente acolhedor, como criar? Buscando informações, lendo, pesquisando, acessando os órgãos públicos que oferecem atendimento psicológico e orientações sobre doenças causadas pelo ambiente de trabalho. “Amigos” estes, não foram indicados, pois só agravaram, criando ambientes mais estressantes por total desconhecimento de como lidar, devido ao preconceito, e entre outros fatores. Desenvolvimento de pressão alta, crises alérgicas tudo em função da mente e às violências psicológicas sofridas, transmitido por palavras amenas cheias de “boa” intenção, formando uma equipe campeã, sublimado. Observem! São os estalos da chibata contemporânea, silenciosamente vão matando-nos! Sobre este fato  afirma Moura (1988, p.62):

Em cima dessa dicotomia étnica estabeleceu-se uma escala de valores, sendo o indivíduo ou grupo mais reconhecido e aceito socialmente na medida em que se aproxima do tipo branco, e desvalorizado e socialmente repelido à medida que se aproxima do negro. Esse gradiente étnico que caracteriza a população brasileira não cria, portanto, um relacionamento democrático e igualitário, já que está subordinado a uma escala de valores que vê no branco o modelo superior, no negro o inferior e as demais nuances de miscigenação mais consideradas, integradas ou socialmente condenadas, repelidas à medida que se aproximam ou se distanciam de um desses polos considerados o positivo e o negativo, o superior e o inferior nessa escala cromática.

RESILIÊNCIA


Ao longo desta caminhada, considero-a uma mulher empoderada, imaginando as que não têm informação! Ser mulher negra é isto, é passar por situações adversas e estar de pé com coragem de cabeça erguida, sempre lutando e buscando a valorização dos direitos, sejam individuais ou coletivos. É fazer da tua luta, da tua dor fortaleza, Resinificando cada pancada, cada lágrima, superar as opressões e as expectativas!

Dedico este pequeno texto a todas as mulheres negras que fizeram, que passaram, que caminham e compartilham seus sonhos por um Estado, por um Brasil, por um Mundo melhor, com respeito e igualdade.  Pelos poderes de África Nós Somos! Acotirene, Dandara, Luiza Mahin, Aquataluxe, Maria, Inaldete Pinheiro, Badia... Somos milhares em um só sentimento!


Referências:

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez,2001.

__________. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários a prática educativa: São Paulo: Paz e Terra, 1996.


GERALDI, João Wanderley. A diferença identifica. A desigualdade deforma. Percursos bakhtinianos de construção ética e estética. In: Freitas, Maria T; Jobim, Solange; Kramer, Sônia.(orgs.). Ciências Humanas e pesquisa: leitura de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez Editora, 2003.

MOURA, Clóvis. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Editora Anita,1994.

SODRÉ, Muniz. Claro e Escuros - identidade, Povo e Mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.





[1] Agente de Arte e Cultura Negra – Educadora Social em Direitos Humanos.

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