sábado, 19 de novembro de 2016

Há Dandara em nós!

"O mundo pode duvidar de você ! Menos você..."

Beatriz Nascimento
 
Fotos: Fernando Azevedo

     Por: Rosangela Nascimento
 
Predominam no Brasil convicções errôneas sobre o papel da mulher. O conceito de gênero apresenta uma variedade de compreensão; foi difundido na sociedade baseado na ideia cultural de que o homem é superior a mulher, e "fala por", representa, simboliza a mulher. O diálogo sobre gênero se faz presente e necessário, a relação entre as pessoas, ou seja, entre homens e homens, homens e mulheres, mulheres e mulheres. São os aprendizados sobre os papéis, comportamentos e padrões que alimentam medos e tiram oportunidades, gerando preconceitos e discriminações. E na hierarquia de gênero são as mulheres negras que continuam morrendo com a violência doméstica, o que é lamentável.
Inúmeros desafios são postos à nossa frente cotidianamente, assim é a vida para todos,todas e todes, mas para uma mulher e negra viver vai além de alguns conceitos e frases de efeito!
Temos uma história marcada por três séculos de escravidão banhada em sangue; são renúncias, lutas, dores e silêncios. E são estes silêncios, que devemos romper. Aliás, dar visibilidade às histórias das mulheres negras, ou seja, a nossa história.
Nós amamos, escrevemos, fazemos inúmeras atividades que são dignas de artigos, notas, matérias jornalísticas, ocupamos diversos setores públicos e privados. O reconhecimento não é apenas para alimentar o ego, compreendendo o ego como componente central da personalidade de uma pessoa. Segundo Freud, a personalidade que, no âmbito psíquico, influencia o comportamento de alguém, partindo de suas próprias experiências e controlando suas vontades e impulsos. Todavia, queremos o fortalecimento da nossa autoestima. O que estou descrevendo, é algo que parece comum, pois o preconceito e o racismo sabem bem como se utilizar destes recursos.
Ora, falar de nós mulheres negras pode ser algo encorajador, revolucionário para dentro do nosso corpo e mente. É fazer desaparecer o medo que nos é posto e substituir por uma faísca de coragem e confiança. É imergir, lavando intimamente o nosso ser, dando espaço para nossa luz negra se expandir!
Então, Dandara era uma mulher excepcional que foi silenciada pela história, apagada pelos os que a redigiram. Mas, vamos nos inquietando e buscando, colhemos um pedaço aqui, outro acolá e daí vamos cozendo uma colcha de retalhos. Conhecer uma mulher que liderou um exército de mulheres, incluindo homens lutando por liberdade, desperta em mim uma força gigantesca.
Uma líder influente que nasceu no período colonial, com um ideal de liberdade cujo feito repercutiu e ecoa até hoje e paira nos meus ouvidos. Quando digo que viver é desafiante para uma mulher negra, é por que estou dia, após dias, na pele e na alma de uma e de várias. Nossas histórias sempre se cruzam, sempre há algo semelhante, pois a conjuntura e realidade a qual foi formada essa nação nos coloca em local desfavorecido.
O período colonial é marcado pelo tráfico humano e a vergonha da escravidão, mazelas; aflições vividas neste período estão entre nós camufladas de violências psicológicas, físicas, morais e patrimoniais. O tráfico humano e a escravidão não desapareceram, o que é repudiante e causa ojeriza em qualquer fase da vida.
Dandara foi uma mulher sábia, desenvolveu inúmeras habilidades. Caça, pesca, plantio, conhecimento do poder das ervas e se destacou como uma guerreira, que jogava capoeira, traçava estratégias de guerras erguendo sua lança, ou espada. Remetendo o pensamento à destemida Obá, pronta para a batalha sem medo e com uma altivez que revela imponência desde do seu andar. Essa coragem nós queremos, essa força de acordar e ir as ruas e sermos respeitadas por todos sem discriminação, preconceito. Também, foi companheira de Zumbi e com ele teve três filhos. Ou seja, ainda assim rompeu o âmbito doméstico e convencional, quebrou tabus e paradigmas.
Do ponto de vista histórico, no dia seis de fevereiro de mil seiscentos e sessenta e quatro, para não ser escravizada, Dandara se jogou da pedreira ao abismo. As mulheres, por sua vez, diante de tanta pressão estão se jogando ao abismo, se lançando em alto mar por liberdade. Este fato, serve para ser ressignificado, transformado. Que nenhuma mulher tenha que morrer, que nenhuma mulher seja escravizada, ou, vítima de violência de qualquer tipificação ou natureza. Repudiamos a violação dos Direitos Humanos, assim como Dandara que lutou por uma Palmares livre.
 
 
Há Dandara em nós, quando nos impomos diante das injustiças sociais, quando nos indignamos pelas atrocidades cometidas contra qualquer mulher, não importando sua cor, origem ou condição social. O tratado de paz tem que favorecer a todos e todas. Existe Dandara em nós, nos gritos de eu passei no vestibular, ingressei no novo emprego, fui promovida, comprei minha casa, posso sustentar meus filhos e filhas sozinha... Nós podemos ser e fazermos o que nós queremos, afinal de contas somos guerreiras, filhas de Deusas.
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Contudo, a busca pela nossa cidadania é constante, a nossa militância e feminismo é incansável.
Portanto, avivar a presença, a força, o desejo incansável de liberdade de Dandara dos Palmares é algo para ser lembrado todos os dias. É acreditando e confiando em nós mesmas, que rompemos barreiras e trincheiras. Seguiremos em frente com a certeza de conquistar o universo para além do nosso mundo interior.
Em ginga, dando aú e pernada nesta sociedade excludente, driblando o racismo eu reafirmo. Há Dandara em Nós!
 

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