sábado, 5 de agosto de 2017

SALVE AS MULHERES NEGRAS!




Por: Ana Paula Maravalho

O tema da Audiência Pública era Violência contra as Mulheres Negras. Fui convidada pela Rede de Mulheres Negras de Pernambuco a fazer uma palestra. Convite aceito, fui pensar como intitularia minha fala. Não quero começar uma frase falando justamente daquilo que nos faz sofrer. Mas também não queria alisar, tornar leve um assunto que é, por natureza própria, pesado. Escolhi, depois de algumas tentativas “Mulheres Negras: Basta de Violência”. 
Antes de assumir o microfone, como faço sempre que me é possível, concentrei-me algum tempo, pedindo que minha palavra – o instrumento que me foi dado nesta vida – fosse guiada para chegar onde for necessário. 
Iniciada a audiência com os versos vivos e cortantes de duas jovens poetisas negras, aos poucos fomos sendo inseridas numa miríade de estatísticas afiadas feito faca amolada, que mostram o quanto a violência em todos os seus aspectos atinge de forma desigual as mulheres negras. Mas, muito mais que estes dados, foram os depoimentos reais das mulheres presentes que nos retalharam a alma. Por vários momentos, fomos às lágrimas. Em outros, experimentamos na carne o refrão da música de Gil: “a felicidade do negro é uma felicidade guerreira”. Sim, rimos, e rimos muito também. Reações próprias da humanidade que compartilhamos. 
Foi então que nas falas das mulheres presentes eles chegaram de mansinho, postando-se à nossa frente e em nossa retaguarda. Invisíveis, mas presentes. Intocáveis, mas reais. Chegaram sem ter sido oficialmente convidados pela direção do evento. Vieram sem convite em papel timbrado, mas vieram nos acompanhando, mostrando que nessa luta não estamos nem ficaremos jamais sós. À medida em que eram nomeados, lembrados, cantados, assumiam seus lugares na assembleia, na mesa, na tribuna. 
Primeiro, como não podia deixar de ser, chegou Exu, na palavra da companheira que, ao anunciar uma vigília que será realizada, enfatizou que a mesma vai acontecer numa segunda feira - dia especialmente escolhido pelas organizadoras em homenagem ao orixá. Depois chegou Oxum, na fala de uma policial militar fardada que lembrou a fertilidade ancestral presente nas assembleias de mulheres negras. 
A jovem liderança de uma ocupação, vestida de vermelho, nos contou sobre a ação recente das mulheres, que receberam policiais que foram desalojá-las “riscando o facão no chão”. “Eparrei!”, murmurei, respeitosa, ao sentir a encantada se mostrar logo ali, bem pertinho... Num depoimento a respeito de uma violência sofrida, outra jovem evocou a Justiça representada por Xangô. E a sabedoria de Nanã chegou com o recado final na potente voz de Ediclea Santos Silva: Saluba, Vovó! A energia da sociedade das mulheres negras se corporificou e se expandiu pelo auditório, encheu o ar e foi aspirado por todas nós, essência curativa e instigadora. 
Embalada pelo Poder desta assembleia de visíveis e invisíveis, sigo refletindo que, embora a violência não seja exatamente uma novidade para nós, mulheres negras, atravessamos um momento crucial em que, mais do que tudo, precisamos ter ESTRATÉGIA. Passou a fase de constatar, de denunciar, de exigir. O momento agora é construído no front de uma batalha que nos pede mexer com as peças certas. Vamos nos reagrupar. Nos realinhar, nos refazer, recuperar a nossa energia vital espalhada em tantos terrenos que não são nossos. É hora de lamber as feridas, de nos curarmos e olharmos nos olhos umas das outras. Para definir os próximos passos e seguir marchando. 
Um bom fechamento para o Julho das Pretas, esta entrada pelo mês de agosto. Soou o apito; a batalha continua. Boa continuidade para nós!

“Aprendi com a Matamba a jogar capoira e dançar afoxé
Ser original, tocar berimbau e viver Candomblé
Meu povo não nasceu para a senzala
Sou filho do Alafin de Oyó, Xangô
A Liberdade é meu Axé de Fala
Kawo Kabessilè Kawo!

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