Sou Negra 365 Dias

Foto Cortesia: Adriana Nascimento

Por Rosangela Nascimento

Tem coisas que acontecem no nosso cotidiano que é uma verdadeira piada, para não dizer que é de lascar mesmo, ou foda, como dizem os jovens. Reconhecer o 20 de novembro como Dia da Consciência Negra e Dia de Zumbi, não faz deste país sem racismo, um dia de feriado não apaga o período de escravização do ser humano. Estamos imersos na hipocrisia ao qual foi colonizado o Brasil.

Aliás, reconhecer o vinte de novembro é aceitar a contribuição do povo negro na construção deste país, é dizer que existem ícones negros e negras, para que as crianças possam ter a possibilidade de escolhas dos heróis e heroínas tal qual se espelhem. Foi negando a história que tivemos menos oportunidades de ingressar no mercado formal de trabalho, nas Universidades, e diversos espaços que dignificam o ser. No momento em que estamos ocupando esses espaços negados acontece um “surto social”, piram, pois estavam acostumados a delegar os piores espaços para nós, povo negro. Indubitavelmente, que durante muito tempo as pessoas não negras foram postas como maioria e o sentimento de superioridade só alimenta o racismo.

Só para ilustrar, é meio esdrúxulo ouvir uma pessoa não negra te dizer parabéns pelo seu dia.  Esse é o momento da pausa, como? Parabéns, você passa a acreditar que a pessoa deve está pensando, o Brasil é um país de total harmonia racial, que o vinte de novembro é a carta de alforria. Para mim, o vinte de novembro é um reconhecimento, um ponto de partida para sempre recomeçar. É oportuno para encher o pulmão de oxigênio e seguir. Tivemos um ano de maior índice de violência contra mulher, e às mulheres negras que foram retiradas mais uma vez de forma abrupta deste mundo  e infelizmente são maioria nesta estatística. O mesmo aconteceu com a nossa juventude negra. Percebes como funciona? Em virtude da ausência de políticas públicas que garantam uma melhor qualidade de vida e promova a equidade, assim cresce o sistema.

Com a finalidade de esclarecimentos é importante fortalecer e divulgar alguns marcos de conquistas, o Estatuto da Igualdade Racial, as leis 10.639/03 e 11.645/08 que possibilitam uma reflexão cotidiana. Os documentos produzidos pelas Marchas Zumbi 300 anos, Marcha Zumbi + 10, Marcha das Mulheres Negras...

Sou negra 365 dias, ou seja, todos os dias, enquanto respirar, enquanto a tonalidade da minha derme incomoda, o meu cabelo provoca inquietações visuais, o cargo que ocupo como coordenadora ou qualquer outro de destaque provoque boicotes e situações de racismo institucionais. Não tem como não reagir, não tem como deixar de executar a pausa. E mais, é importante tocar o tambor sim, pois ele é o nosso elo mais forte de ligação com a nossa ancestralidade. A epopeia do Quilombo dos Palmares tem que ser contada e repassada oralmente, e por diversas vias de comunicação. Pois é, contando e recontando a nossa história que permanecemos neste mundo de injustiças e desigualdades sociais. Contudo é na figura de Dandara e Aqualtune que pego fôlego, e digo, é a minha indignação que me move neste mundo. Êa povo negro, ainda há muito por fazer! 

Rosangela Nascimento: Mulher negra, mãe de Ayla Silva e blogueira.