Cara companheira, o ano passou numa velocidade que nem me dei conta do tamanho dos feitos aos quais realizei. Acordei, sentindo um aperto no peito, que só passou quando as lágrimas chegaram ao meu rosto, não foi apenas um choro, foi um brado, um grito para despertar dentro de mim, a força e a coragem que às vezes esqueço que tenho. Admitir ou relatar esse ato, não é fragilidade, ou vitimização psicológica. Mas, compreender que sou humana, e reconhecer que preciso chorar deixar as lágrimas caírem de vez enquanto. Estou tão cansada de ouvir, seja forte, você precisa ser forte. Quero acordar e ter a liberdade de ser apenas eu, de fazer o que gosto, de ser feliz sem ter que pedir licença.
Sei que você é uma mulher muito fortalecedora, e mesmo sendo invisibilizada e minimizada permanece viva, e contamina positivamente as mulheres negras do cotidiano atual. Sua história aponta para mim uma possibilidade de liberdade plena. De não desistir diante das dificuldades que a vida apresenta principalmente o preconceito e o racismo, esses fantasmas, essas mazelas sociais que nos perseguem.
Também sou guerreira, mesmo anônima, invisibilizada e marginalizada, eu continuo em frente, não me dou por vencida, sou parte deste processo, eu faço o meu destino e futuro. Não cheguei até aqui para regredir tanto. Não quero ser menor ou maior, quero igualdade!
E é apegando-me a sua força Dandara, que sigo adiante se eu precisar pegar um escudo e uma lança, para me defender das bombas psicológicas, utilizadas pelo racismo em suas diversas configurações, eu irei segurar, irei agachar, mas quando me levantar será sua força em minha memória que irá sobressair soberanamente como tem que ser a história. E essa história precisa ser recontada, repetida incansavelmente, para dar a condição de um novo desfecho.
Aliás, é pensando, nesta condição de respeito e igualdade que as mulheres negras estão em Marcha, mobilizando o mundo. Para mim, companheira Dandara é a maior prova de amor, lutar por um bem viver, pelo fim do racismo. Não tem como não seguir, continuar em Marcha, jamais existiria esse sentimento de audácia e fortaleza, se você ou as nossas companheiras, Nzinga Mband, Aquataluxe, Quariterê, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento, Carolina de Jesus, Mãe Biu da Xambá, Badia, Angela Davis, Maya Angelou, e outras e outras mulheres negras não tivessem emprestado e doado suas forças por um mundo melhor. E é pensando neste ideal de mundo, com mais igualdade que a luz aparece sempre, ela vem em forma de alimento com todos os elementos que chamamos de coragem!
Gosto de dizer que o que me move neste mundo é a minha indignação, mas sei que esse sentimento não é algo só meu, ele é presente em todas nós mulheres negras. Não se deixar escravizar, mesmo com o modelo moderno de exploração. Não desistir, não iremos mais nos jogarmos dos Navios, estamos gritando, brigando, escrevendo e reescrevendo incansavelmente a nossa história. Que pode e deve ser contada na primeira pessoa do singular “Eu”. E eu, não me joguei ao mar, não pulei do navio, muito menos permaneci no lixo ao qual me destinaram. Sabes por quê? Porque, pensando desta forma estaria reafirmando o que o sistema diz todos os dias, que somos inferiores e não somos capazes. E sabemos e temos a certeza que somos, super mulheres!
Bem Companheira, fiquei tão entregue ao escrever que estou aliviada, mas é preciso dizer que você é, e foi uma mulher muito importante, guerreira, sábia e determinada. Precisamos e temos o direito a uma nova história, a novas perspectivas de vida, sem violência ou violação dos nossos direitos humanos. Afros abraços, e iremos nos reencontrar em mais uma batalha, em mais um desafio, pois nossos feitos e espíritos são imortais.
Atenciosamente,
Rosangela Nascimento
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