quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Com Todo Carinho Aos Nossos/as Mais Velhos/as


Por: Rosangela Nascimento

VOVÓ BRANDINA
* Lepê Correia

Tá aí, vovó Brandina
Meus filhos, meus pais, teus netos
Taí aí, negra velha minha,
Bisavó, dos meus poemas
Mãe do parir deste canto
Negro e belo que é teu par,
Conta histórias do engenho
Da moeda, do cercado
Do chicote e homens bravos
Da pele ebanificada

Tá aí filha de Nanã
Eu aqui, tu não sei onde
Eu na luta e tu nas plagas
Onde passeia *Orisan'lá 


Com a licença dos nossos antepassados, dos nossos sábios e sábias ancestrais, com a licença do grande mestre da literatura afro pernambucana Lepê Correia, pois a emoção terna humanizada e maternal é um dos mais belos sentimentos que pretendo discorrer neste pequeno texto.
Sempre lembro-me das minhas tias mais velhas cobrando a benção aos mais novos em minha família, e este contexto se repete em outros núcleos familiares, vai além da hierarquia, para mim significa que: " Deus te abençoe,  estarei sempre por aqui", a presença e o cuidado, a atenção para com os mais novos, principalmente quando a família é gerida por uma matriarca. Frases como: Preste atenção, observe bem o que estais fazendo...! Estas pausas que ficam ecoando no nosso interior, ajudando a refletir e contribuindo a questionar, será que é isto mesmo que eu quero? São observações realizadas por quem já viveu está experiência, passou por isto!

Há um provérbio  africano que diz, quando uma pessoa mais velha morre é como desaparecer uma enorme biblioteca, ou seja, se foi a nossa memória viva, parte de uma história, e os registros.

" Velho que morre, biblioteca que arde, segundo Hempaté Ba. Um provérbio bambara, na África ocidental".


As fábulas são as histórias narradas com cunho moral, quem não gosta de ouvir histórias? E os mais velhos fazem isto com uma enorme propriedade, algumas estórias de Trancoso que deixavam aquele medo inicial, mas com um clímax contagiante e o sabor de conta mais. Família reunida, para ouvir histórias, cumplicidade, amizade, solidariedade se aprendia nestes momentos.
A medida que estou escrevendo a memória vai avivando, lembro que no quintal da minha casa tinha muitas ervas, para tudo tomávamos um chá quentinho, e nos curávamos, aí estar a sabedoria popular, o domínio do segredo e a manipulação das ervas medicinais. As rezas nos finais de tarde, ao cair do sol, realizada pela avó. A criança chegava descaída, entristecida, e em três sessões de rezas com três folhas de pião a criança voltava a sorrir  e brincar. Acredito que o pensamento positivo em fazer o bem, em desejar a cura do outro/a, ao professar este feito, ou melhor, este ato de amor. Saudosamente escrevo este texto, com olhos lacrimejando, lembrando de tempos tão bons que poucos viveram, ou ,sentiram estes maravilhosos momentos.
Vivemos constantemente  ligados entre o passado e o futuro, e os nossos Griot (contadores de histórias) estão muitos presentes em nosso dia a dia, na valorização da oralidade e nos registros das nossas histórias. A exemplo disso, a escritora e grandiosa contadora de história Inaldete Pinheiro. Ativa na militância Negra Pernambucana e sempre atenciosa, chama no cantinho e expõe suas observações aos mais novos, a pausa para permitir a reflexão, o crescimento individual e pessoal.
Inaldete Pinheiro
Finalizando, aprendi que conhecimento e aprendizados só tem utilidade quando são repassados, quando fincam as raízes, assim o povo negro vem se reinventando  a cada dia. Oralizando suas histórias e memórias, e aprendendo a registra-las!  

* Psicólogo, Educador e Pesquisador de Culturas e Tradições Afros e Brasileiras, Mestre em Literatura e Interculturalidade. Poema retirado do Livro Caxinguelê/Severino Lepê Correia.2.ed.Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife,2006.9 4p.
*Grande Orisá - (Orixá)

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