Por: Rosangela Nascimento
O Quilombo Praia de Sibaúma, em Tibau do Sul, Rio Grande do Norte, tem sido historicamente alvo de um persistente apagamento de sua identidade e território. Por décadas, a rica trajetória de resistência e a singularidade de seu povo negro foram ofuscadas por narrativas simplistas ou por uma generalização inadequada de sua condição. É imperativo frisar que um quilombo é uma comunidade com identidade e direitos específicos, forjados na ancestralidade, na cultura e na luta por autonomia. Ele se distingue fundamentalmente de uma mera "área rural" ou de um "distrito", termos que, embora possam descrever sua localização geográfica, falham em apreender sua profunda dimensão sociopolítica e cultural.
A Invisibilização e a Força da Memória
O processo de apagamento não se manifesta apenas na omissão de sua história em registros oficiais, mas também na tentativa de descaracterizar sua natureza quilombola, diluindo sua importância e seus direitos. No entanto, a memória oral e a resistência contínua dos moradores de Sibaúma sempre atuaram como um escudo contra essa invisibilização, mantendo viva a chama de sua identidade.
A Luz da Arqueologia: Reafirmando e Reescrevendo a História
Recentemente, um evento de enorme significado veio lançar nova luz sobre essa luta: o retorno de peças arqueológicas ao próprio Quilombo Praia de Sibaúma. Esses achados, resultantes de pesquisas na região, são mais do que simples artefatos; eles são testemunhos materiais irrefutáveis da presença, da organização social e das práticas culturais dos ancestrais que formaram essa comunidade.
A importância desse retorno é multifacetada:
- Validação: As peças arqueológicas validam cientificamente as narrativas orais e a memória da comunidade, provando a antiguidade e a permanência da ocupação quilombola no território.
- Reescrita Histórica: Elas oferecem a base para uma reescrita da história oficial de Tibau do Sul-RN, que muitas vezes marginalizou ou ignorou a contribuição e a existência do povo negro. Agora, com evidências tangíveis, a agência e o protagonismo dos quilombolas de Sibaúma são inegáveis.
- Fortalecimento da Identidade: Para a comunidade, o retorno desses objetos é um reforço poderoso de sua identidade e de seu pertencimento, conectando o presente diretamente ao passado de seus ancestrais e fortalecendo a luta por seus direitos.
A Luta Contínua e a Importância do Reconhecimento
O caso do Quilombo Praia de Sibaúma é emblemático da necessidade urgente de reconhecer e proteger as comunidades tradicionais. A arqueologia, ao lado da antropologia e da história oral, torna-se uma ferramenta crucial na desconstrução de apagamentos e na afirmação da diversidade cultural e histórica do Brasil. O retorno das peças não é o fim da luta, mas um marco fundamental que reafirma a verdade e impulsiona a exigência por justiça e respeito.
Conclusão
A história do Quilombo Praia de Sibaúma, agora enriquecida e materializada pelo retorno de seus tesouros arqueológicos, ressoa como um grito contra o silêncio e a descaracterização. Ela nos lembra da importância inegociável de defender a especificidade de cada quilombo, reconhecendo-os não apenas como áreas geográficas, mas como repositórios vivos de cultura, resistência e memória. Que essa redescoberta impulsione a valorização e a proteção de todos os povos quilombolas, garantindo que suas histórias sejam finalmente contadas e respeitadas em toda a sua plenitude.
Letróloga, Especialista em Literatura Afro Latina Americana e Caribenha - Educadora com Formação Em Direitos Humanos, responsável pela Biblioteca Comunitária Auta de Souza.
Autora dos Livros: Mariposa Negra, Histeria e Baobá Literário.
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